sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O gato supermagro



(continuação da semana passada!)



— Eu me chamo Clarice Sushi. E você?
 — Fulano.
 — Hum?
 — Fu-la-no.
 — Nome estranho...
 — Eu não acho!
 — Bom, Fulano. Vamos começar o seu teste. Preparado?
 — Sim.
 — Se você tivesse que me dar um presente, o que seria?
 — Um balde de sardinha!
 — Miau! E se você tivesse que me fazer uma declaração de amor, como seria?
 — Eu te amo!
 — Miau! E se você tivesse que me levar num passeio, onde seria?
 — Na Pérsia.
 — Onde?
 — Na Pérsia. Sua raça não é persa?
 — É. Mas eu não sabia que existia um lugar com esse nome.
 — É um país superchique, Clarice Sushi. É lá que fazem tapete persa.
 — Nunca vi.
 — É um tapete caríssimo.
 — Eu também custei caro. Angélica não.
 — Angélica?
 — Uma gatinha filhote que mora aqui. Ela não vive sem mim.
 — Legal.
 — Quando a gente casar, Fulano, quer dizer, se a gente casar...
 — Tomara!
 — A Angélica vai querer ir. Não me deixa por nada!
 — Tudo bem. Ela pode ir com a gente pra Pérsia!
 — Ela não é persa, é uma vira-latinha.
 — Tudo bem!
 — Você também é?
 — Se não sou, não me contaram.
 — Vira quantas latas por dia?
 — Virar mesmo, nunca virei.
 — Não?
— Acho humilhante. Não gosto de dar pinta de pobre, sabe?
— Sei...
— Prefiro passar fome a disputar sobra de comida.
— Por isso está magro desse jeito.
— Todo gato, se é gato, tem que ter alguma classe.
— Por isso que eu gosto de gato! Miau!
— Eu também!
— Até que a gente combina, Fulano... Se bem que você é magro demais...
— Quando a gente for pra Pérsia, você também fica magra.
— Por quê?
— Lá, a gente não vai ter comida pra comer.
— Nem ração?
— Muito menos ração. A não ser que você leve dinheiro.
— Não tenho.
— Miau...
— E a Angélica? Também não vai comer?
— Se ela for com a gente, vai ter que aprender.
— A quê?
— A ser pobre de cabeça erguida.
— E o balde de sardinha?
— Se eu pudesse eu te daria...
— E o transporte lá pra Pérsia?
— É só de mentirinha...
— Miau...
— Que miau foi esse?
— Não gostei de você. Quer fazer o favor de ir embora?
— Embora? Puxa...
— Se quiser pode voltar aqui um dia desses. Mas como amigo!
— Tá bem.

(Continua na semana que vem!)






quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O cachorro-salsicha

(continuação da semana passada!)



— Miau... Como você é baixinho!
— Você não é alta!
— Mas tenho janela pra subir!
— Mas se eu quiser, posso subir em árvore.
— Miau... Já subiu em alguma?
— Várias. Tá vendo aquele coqueiro ali?
— Já subiu lá?
— Au-au!
— Duvido. Suas pernas são tão curtinhas!
— ...
— Você mora sozinho?
— Eu não moro.
— E namora?
— Tive duas namoradas. Uma louca e outra chata.
— Terminou com as duas?
— As cachorras acabam comigo... Agora, resolvi tentar gata.
— Eu nunca namorei ninguém.
— Nem gato?
— Não, miau! Qual é o seu nome?
— Primeiro o seu.
— Clarice Sushi.
— O meu é Salsicha.
— Você parece mesmo uma.
— Não fala isso que eu sonho.
— Com o quê?
— Que virei cachorro-quente!
— Cruzes!
— Au-au... O que você espera de um namorado?
— Presentes.
— Presentes?
— Claro, miau. O que mais eu ia querer?
— Mas se a gente namorar, não vou poder te dar muita coisa...
— Não?
— Olha, sou um cachorro de rua e não tenho salário.
— Não tinha pensado nisso! Não vai adiantar nada eu namorar um vira-lata...
— Eu não sou isso, au-au!
— Como não?
— Sou um cachorro-salsicha puro, não está vendo?
— Mas aposto que tem que virar lata pra comer.
— Tenho.
— Então. Quem vira lata é vira-lata, miau.
— Você só quer ter namorado pra ganhar presente?
— Só. Mas a gente pode ser amigo...
— Tudo bem. Amanhã passo aqui só pra conversar.
— Até amanhã.



(continua na semana que vem!)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O cachorro grande

(continuação da semana passada!)



— Miau! Você é quase da altura da minha janela!
— Algum problema?
— Sim. Prefiro olhar os outros bem de cima.
— E se eu ficar abaixado assim?
— Isso! Quanto mais perto do chão melhor!
— Au-au... a gatinha não costuma aparecer por aqui...
— É que me incomoda o barulho da rua...
— Isso que dá morar no térreo...
— Eu preferia que minha dona escolhesse uma cobertura...
— Você combina com mansão.
— Mansão, cobertura, castelo... pra mim tanto faz.
— Meu dono morava em mansão, mas enchi o saco e fugi.
— Miau! Que jeito mais grosseiro de latir!
— Enchi o saco, sim. Lá era tudo uma frescurada...
— Ih, você combina com a Sininho...
— Com quem?
— Uma amiga minha que também fugiu...
— Se a gente namorar, gatinha, arrebento essa grade e você foge comigo!
— Eu preferia que o meu namorado viesse me visitar na minha casa...
— Au-au?
— Tenho algumas perguntas a fazer.
— Pois não.
— Mora onde?
— Na rua.
— Dorme onde?
— Onde eu dormir.
— E come como?
— Como dá.
— Miau... Então não dá.
— Então, tá. Mas qualquer dia passo aqui de novo.
— Pra quê?
— Pra conversar, ora. A gente não pode ser amigo?
— Pode... Mas não se esqueça de abaixar.
— Pode deixar. Qual é mesmo o seu nome?
— Clarice Sushi.
— Foi um prazer. Sou o Chico Buarque.
— O prazer foi meu...

(continua na semana que vem!)

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Do outro lado da janela



Prezado leitor, 

Você não sabe onde passei a tarde!
Fiquei sobre o parapeito da janela aqui da sala!
Não se preocupe que não tem perigo algum;
as janelas da minha casa são todas gradeadas.

Saiba você que eu estava apaixonada por um artista...
O gato da propaganda de uma ração de nova marca...
Infelizmente, porém, foi impossível encontrá-lo...
Não descobri seu endereço, seu nome, nada...

Sendo assim me decidi a esquecê-lo de uma vez!
Meu coração me mandou procurar nova paixão!
Ele disse que eu devia olhar a rua da janela;
um gato puro e persa podia passar em frente a ela.

Pulei pro parapeito e fiquei admirada...
Quantos bichos vi passando do outro lado da janela...
Cachorros, pombos, gatos, baratas e formigas...
Pernilongos e até mesmo um ou outro passarinho...

Gato persa é que não gosta de sair da sua casa,
se passa pela rua é um gato vira-lata.
(Eu mesma, quando saio, é fechada na minha caixa.)

Pensei bem e concluí que não tinha o que perder.
Não me custaria nada paquerar sem compromisso.
Sobre o parapeito, eu fiz pose na janela.
Logo vários pretendentes se reuniram aqui na frente.

Fingi que não ligava e virei os olhos pra cima...
Como quem fica pensando nos problemas desta vida...
Notei que fiz sucesso e dei uma espreguiçada...
Alonguei bastante o corpo, como se tivesse sono...

                — Que gata! — exclamou alguém.
                — De raça! — exclamou outro.
                — Eu também sou de raça!  — ouvi.
                — Qual é! Na rua somos iguais! — disseram.

Até um menino parou para ficar me admirando!
Ele disse para a mãe que me queria de presente!
Uma senhora que passava também me fez um elogio!
Disse que sou tão bonita que mereço estar num filme!

Miei alto para que cada um silenciasse;
criei uma pose nova, que foi uma sensação!
Então meus pretendentes fizeram fila e os chamei
um a um para saber com qual deles namorar.

O primeiro dessa fila era um cachorro grande;
o segundo, um cachorro parecido com salsicha;
em terceiro lugar, ficou um gato supermagro;
e, pra terminar, um outro gato bem gatinho.


(continua na semana que vem!)